Aninha andava muito aborrecida ultimamente. Não bastasse o recesso forçado de quase dois anos, motivado pela pandemia de Covid, o trabalho na secretaria de uma escola não era bem o que Aninha poderia chamar de emprego dos seus sonhos.
A atividade burocrática de conferir, organizar e arquivar a documentação de alunos era por demais monótono e repetitivo, muito diferente do que Aninha sonhara, após ter se formado com brilhantismo na faculdade.Descendente de italianos, Aninha sentia muita falta daquele ambiente alegre, agitado, quase festivo, comum nas famílias oriundas da Bota.
Principalmente no horário do almoço, quando Aninha fazia suas refeições no próprio local de trabalho, praticamente sozinha em virtude da escala de horários. Não adiantava muito sua marmita, carinhosamente preparada por sua mãe, ser um desfile de iguarias e delícias da rica e variada culinária italiana.
A falta de ter com quem conversar levava Aninha a extremos. Se no metrô lotado alguém fosse passar por ela, com o risco de um esbarrão, Aninha não se conformava em ouvir apenas um "Lecença!", ao invés de um "A senhorita poderia me dar licença?". Seria uma forma de ao menos responder "Pois não, tenha a bondade..."
Os únicos momentos do dia em que Aninha recuperava um pouco de sua alegria aconteciam quando abria a porta e adentrava o ambiente de sua casa. Seus cachorrinhos de estimação a recebiam com tanta alegria e efusiva animação, que Aninha ficava emocionada diante tanta demonstração de amor por ela. E mesmo trocando as palavras por latidos, Aninha com eles dialogava através de seus próprios olhares.
Engraçado, dizia ela. Será que essas roupas que eu gosto tanto estão encolhe ndo ?!? E assim, aos poucos, Aninha foi percebendo que o problema não estava nas roupas, mas nela própria.
Meu Deus, não é possivel, não são as roupas que estão diminuindo, sou eu que estou aumentando ! Agora eu entendo porque a vendedora da loja, ao me atender disse que aquele modelito que eu tanto adorei não estava mais disponível, que só restavam nos tamanhos P e M, não havia mais do meu tamanho, constatou Aninha.
Isso posto, isso feito : naquele mesmo dia Aninha começou o mais severo regime que fizera até então. Os resultados logo fizeram-se sentir e em poucas semanas Aninha já estava bem mais à vontade em suas roupas. Mesmo assim, decidiu voltar à loja e renovar algumas peças de seu guarda roupa.
Após provar e escolher vários modelos, Aninha ouviu da vendedora um comentário que a deixou em dúvida se fizera ou não um bom negócio. "Você agora está parecendo Miss Brasil, tá elegante que só !".
Aninha foi para casa refletindo a respeito e acabou por concluir que bastava ser magra e elegante para se igualar a uma miss.Que não havia necessidade ne demonstrar qualquer conteúdo, então era só a aparência que contava ?
Inconformada com a idéia, Aninha decidiu mudar o foco de suas reflexões, buscando soluções mais próximas e imediatas para o seu problema, que era ter alguém com quem pudesse conversar, trocar impressões, fazer confidências.
Renato era o nome dele. Aninha não perdeu tempo e depois de alguns dias já tinha em mãos todos os dados de Renato, sabendo que ele estava livre, depois de um casamento mal sucedido. Que morava numa pequena cidade do interior, onde montara um negócio de peças para caminhões e que vivera alguns maus bocados após ter sofrido um acidente de moto.
Sem perda de tempo, Aninha descobriu o endereço de Renato numa rede social, iniciando-se assim uma intensa troca de mensagens entre ambos, levando Aninha a acreditar que finalmente seu problema de solidão houvera acabado.
Foi assim que em pouco tempo o contato virtual não era mais suficiente. Especialmente para Aninha, que ansiava por ouvir seu nome pronunciado com carinho por uma pessoa querida.
Chegou o momento que o contato pessoal se tornara inevitável. Aninha, não cabendo em si de tanta ansiedade, vestiu sua melhor roupa, calçou sua sandália mais bonita, caprichou na maquiagem e lá foi ela encontrar-se e rever aquele seu quase amor da adolescência.
O encontro, marcado em um elegante shopping da capital, previa um jantar todo especial, seguido de muita conversa e quem sabe um final de noite romântico.
Ao ver Renato chegando, o coração de Aninha parecia que iria saltar do peito, tal era a sua emoção. Os cumprimentos envolveram os protocolares abraços e beijinhos na face.
Até então Aninha não ouvira sequer uma palavra proferida por Renato. Sua surpresa foi aumentando e não entendeu porque Renato colocou a mão por dentro da blusa e de lá retirou um tablet, onde durante alguns segundos pareceu digitar alguma coisa.
Ao terminar a operação, estendeu o aparelho em direção a Aninha, que estupefata leu a seguinte mensagem : "Querida Ana, como vc sabe sofri há algum tempo um grave acidente de moto. Estou totalmente recuperado fisicamente, exceto em um ponto : como a região mais afetada foi o meu pescoço, a garganta foi a área mais prejudicada, de maneira que perdi completamente a fala. Isso mesmo, Ana.
Moral da história :
Se calar é prata, nem sempre o falar é de ouro...