sexta-feira, 28 de junho de 2013

Recesso temporário

Muito a contragosto participo a vocês, que tão gentilmente me acompanham nesta página, que estarei temporariamente deixando de incluir novas postagens.
Trata-se de um procedimento destinado a dedicar-me exclusiva e intensivamente a um tratamento médico que no momento se fez necessário, a fim de obter resultados mais rápidos e consistentes.
Esclareço não se tratar de nenhuma moléstia com gravidade extrema, apenas necessito de um período de descanso mental que seja cumprido de maneira rigorosa, para que a terapia medicamentosa que desenvolvo em paralelo alcance maior efetividade.
Assim, recebam meu breve "até breve".
Um beijo nos seus corações...

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O inútil

Tá certo, meu caro leitor ou querida leitora, que se não fosse por ele você não estaria agora aqui, lendo estas modestas linhas. Mas também não precisavam exagerar, a ponto de ser algo que você tivesse que carregar consigo pela vida inteira, sendo que ele já se tornou obsoleto no próprio dia em que você nasceu. Ainda se a gente ao menos pudesse escolher o modelo e o estilo, como se faz ao decidir qual o tipo de tatuagem que combina e fica melhor em nossa pele, à espera do verão...
Mas não. Tirando alguns aspectos tridimensionais de design, largura e profundidade, todos são muito parecidos uns com os outros. A diferença só vai aparecer e ficar bem caracterizada depois de alguns meses, talvez anos, da vida do seu portador. Só aí é que se revela qual técnica e o grau de habilidade de quem o executou. Sim, pois há uma grande diferença nos que são produzidos, por exemplo, no agreste nordestino daqueles originários da zona sul do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Os primeiros tem o toque rústico e singelo de um produto tipicamente artesanal, feitos por mãos calejadas e sofridas, enquanto que estes últimos revelam todo o avanço e aparato tecnológico que os seus realizadores têm por trás de si.
Para algo que não é capaz de produzir nenhum som ou sinal, até que ele cumpre de forma correta o seu papel, bem pretensioso por sinal, que é o de querer sempre estar na frente e chegar primeiro em todo lugar ou ambiente frequentado por você. Devia mais era se colocar no seu modesto lugar e deixar de ser tão intruso, uma vez que até para praticar simples e corriqueiros hábitos diários de higiene, dependendo da forma física do seu portador, ele se mostra arredio e inacessível.
E embora seja tão inexpressivo, inútil e obscuro, ainda existem pessoas que só sabem e insistem em olhar para ele como se fosse o centro do universo. São essas mesmas criaturas, que querendo transforma-lo numa extensão de sua personalidade, insistem em adorná-lo com piercings, brincos e outros penduricalhos, tentando alterar alguma coisa em matéria de seu status ou sofisticar a sua aparência.
Mas nada disso muda a sua missão e o seu destino. Não importa quanto tempo demore, o certo é que ele irá para o túmulo juntamente com o seu dono. Ou dona, pois praticamente não existem diferenças entre umbigos masculinos ou femininos...

domingo, 2 de junho de 2013

O Bala Humana

Era verdadeiramente impossível conter o entusiasmo da garotada naquela tarde ensolarada de domingo. Também, pudera: desde a manhã do dia anterior o carro de som - na verdade uma camionete caindo aos pedaços com uma corneta de alto-falante em cima - anunciava aos quatro ventos a "sensacional matinée do Gran Circo do Biluca, no mais fabuloso espetáculo do planeta e atrações internacionais..."
Visto de fora, o Gran Circo não era tão grande assim e o estado geral de sua lona revelava que não andava muito bem das pernas se o assunto fossem as finanças. Um buraco aqui, outro remendo ali e a torcida geral da troupe era para que não chovesse na hora da função, o que sem dúvida reduziria em muito a expectativa de público.
O próprio Biluca, dono do circo, era um palhaço de certa idade, batalhando contra o alcoolismo e para manter de pé a tradição da família, que há cinco gerações estava na estrada e sofria com a decadência dessa que fora durante décadas a mais popular das diversões, sobretudo nas cidades do interior.
Contudo, um fato novo ocorrera e tudo levava a crer que agora o Gran Circo do Biluca estava no caminho certo para voltar aos seus dias de glória. Procurado por um argentino, também com tradição circense, o Biluca foi convencido de que com uma nova e surpreendente atração, tudo iria mudar para melhor. E foi assim que surgiu, tanto nos cartazes espalhados pelo bairro quanto na propaganda do carro de som, o fantástico e inédito número do "Canhão da Bala Humana, uma prova de coragem que poucos no mundo conseguiam realizar com tamanha perfeição..."
Assim, foi difícil para a meninada assistir a sequência de atrações da matinée domingueira, tal era a expectativa pelo grande momento de ver um homem - que coragem! - ser lançado a dezenas de metros de distância, unicamente pela força de um canhão. Mágico, equilibristas, cães amestrados, trapezistas e até mesmo os palhaços e seu calhambeque explosivo, todos terminaram seus números sob vaias. O que todo aquele público ali reunido queria ver era mesmo o Canhão da Bala Humana.
Finalmente, sob verdadeira ovação, chega o grande momento. Usando um uniforme vermelho um tanto quanto folgado, bastante parecido com o do Superman, porém com um capacete amarelo, adentra o picadeiro a figura magra do argentino, acompanhado de sua mulher e partner, a quem caberia a tarefa de efetuar o disparo.
Depois de dar alguns pulinhos, como se exercitando, o Bala Humana se instala no interior do canhão, não sem antes encenar uma inspeção se tudo estava de acordo com as suas determinações. A bandinha do circo atacou algo similar a uma música de suspense, o apresentador fez a habitual dramatização e ao rufar dos tambores, aconteceu o que todos ali esperavam ver.
Bem, não exatamente o que todos esperavam. O programado era que após o disparo, o Bala Humana voaria de um lado ao outro do picadeiro, agarraria a rede do trapezista e desceria por ela até o centro do palco. O que não estava no programa, talvez por ser a primeira vez que o número era executado naquele espaço, foi que houve um certo exagero na quantidade de explosivo colocada no canhão.
Por isso, logo após um forte estrondo e sob grossa nuvem de fumaça, o que toda a platéia viu foi o Bala Humana voando em altíssima velocidade tentar sem sucesso alcançar a rede, passar direto por ela e abrir um grande rombo na frágil lona do circo. Os espectadores que se encontravam na parte alta da arquibancada relatam que viram ainda o projétil humano sobrevoar os carrinhos de pipoca, amendoim e algodão doce do lado de fora do pavilhão e aterrisar de maneira pouco elegante e convencional sobre os muitos pés de mamona existentes nos fundos do terreno. Como as mamoneiras não foram suficientes para amortecer a queda, o Bala Humana ainda prosseguiu em sua trajetória até atingir as águas poluídas do córrego que por ali passa até hoje.
Na segunda-feira o assunto no bairro não poderia ser outro. Todos os que assistiram ao lamentável espetáculo acrescentavam um detalhe a mais, desde o começo do número até a retirada do pobre Bala Humana do córrego pela equipe do resgate e conduzido ao hospital especializado em fraturas. Felizmente a distância até o nosocômio não era muito grande...