terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Tratado sobre a boçalidade

Os novos tempos e as modernas concepções de atitudes e comportamentos tem motivado profundas modificações nas relações interpessoais, sejam nas formas individuais, sejam nas formas coletivas.

Fenômeno relativamente recente, os indivíduos embora não admitam abertamente, estão se tornando 
cada vez mais enclausurados em si mesmos, num contrassenso absurdo e inversamente proporcional
ao aspecto de interatividade possibilitado pelo acesso à informação praticamente ilimitado através 
das redes sociais.

A impressão que se tem é que quanto maiores as facilidades e recursos facilitadores de aproximação
e contato entre os indivíduos, maiores se tornam as barreiras  por eles mesmos erigidas, com gerando
dificuldades às vezes intransponíveis de expressão e comunicação.

O fenômeno evolui para contatos breves, superficiais, efêmeros e insignificantes, gerando atmosferas
de baixíssimo teor informativo, uma vez que na maior parte das vezes acha-se concentrado especificamente no quadro de valores do próprio emissor, que aparentemente busca mais extravasar do que estabelecer um conteúdo da mão dupla.

Costumava-se dizer que quando uma conversa se tornava enviezada e absolutamente sem sentido, tratava-se de conversa de boçais. Vamos combinar que a boçalidade que campeia célere, sobretudo nas redes sociais, não exprime ao pé da letra o conceito definido no dicionário de que "boçal significa rude, grosseiro, imbecil ou ignorante". 

A própria gíria brasileira tratou de expandir o significado, caracterizando o boçal como sendo também aquele indivíduo exibicionista, esnobe e chato, que age com arrogância normalmente por ter melhores condições financeiras ou por se sentir superior aos outros. Um boçal demonstra pouca inteligência, educação e delicadeza em suas ações.

Historicamente, a expressão boçal era usada para designar os escravos negros, ainda não ladinos
(nome dado aos escravos que já sabiam falar o português, tinham noções de religião e trabalhavam em algum ofício), recém chegados da África e desconhecedor da língua do país. O sentido generalizou-se para o indivíduo sem instrução, sem cultura, ignorante. 

A expressão boçal também passou a ser aplicada a fatos ou situações, passando a exprimir algo que acontece sem sentido ou sem motivação: uma situação estúpida, ridícula, verdadeiramente boçal.
Presentemente, ser um boçal não deve ser motivo de vergonha, complexo ou desdouro para ninguém.

Na maioria das vezes os boçais convivem sem qualquer problema, uma vez que é praxe na natureza os iguais normalmente se tolerarem, se permitirem e até mesmo se aproximarem. Há casos em que a boçalidade se tornou uma característica genética, possível de ser identificada nos ramos ancestrais de muitas árvores genealógicas.

Todavia, é no pensar, no falar e no agir que o boçal tem suas características típicas ainda mais evidenciadas. A propósito o falar e o agir do boçal revelam a essência do seu pensar. Outro fato curioso é que podem existir os boçais convictos e os boçais induzidos. O boçal convicto é aquele que não abre mão de sua estirpe, vangloriando-se de ter a boçalidade incrustrada em seu DNA. Já o boçal induzido não tem a menor noção de sua condição, uma vez que assumiu seu "status boçalis" por força da pressão de grupos, entidades, circunstâncias ou comunidades a qual pertença ou frequente.

Há rumores até que várias congregações de boçais estão envidando esforços e colhendo assinaturas para em futuro breve possam requerer a condição de ONG´s, com o objetivo de abrigar sob uma mesma causa as reivindicações de boçais de todas as raças, credos, gêneros, cor ou nacionalidades.

Pois é, meu caro leitor. Mais dia, menos dia, corremos o risco de submergirmos ao tsunami de boçalidade que se alastra celeremente em todas as direções e quadrantes. Restará apenas um breve momento de reflexão, onde ou nos rebelamos ou passaremos a engrossar as fileiras boçalizantes.

Porque ao longe já soam as apocalípticas trombetas, prenunciando o brado geral, que soará em todos os quadrantes da Terra, convocando: "Boçais de todo o mundo, uni-vos!"