terça-feira, 30 de abril de 2013

O churras do Ariovaldo

O Ariovaldo não se contentava em simplesmente organizar uma churrascada. Para ele, churrasco tinha que ser assim uma espécie de ritual, planejado com antecedência, nos mínimos detalhes, para que nenhum pormenor fosse esquecido, tudo corresse nos conformes e que os convidados dele se lembrassem por muito tempo. Por isso, logo depois de completar nove anos de casamento com a Elisinha, o Ariovaldo não falava outra coisa que não fosse na churrascada que iria organizar pra comemorar, dali a um ano, sua década de felicidade ao lado da sua querida esposa.
Conhecendo bem o marido, Elisinha não se surpreendeu quando o Ariovaldo lhe contou dos planos de construir um coberto ali, bem ao ao lado da lavanderia, criando um espaço para mesas, cadeiras e conforto dos felizardos que pela graça dos céus fossem participar do memorável acontecimento.
Se assim foi pensado, assim foi feito: cinco meses depois de muita bagunça e sujeira no quintal, além de inúmeras discussões com o pedreiro mestre da obra, finalmente ficou pronto o ambiente sonhado pelo Ariovaldo para festejar o décimo aniversário de seu casamento com a Elisinha.
Com várias semanas de antecedência a relação dos convidados já estava pronta, bem como a das compras essenciais para garantir o perfeito abastecimento durante todo o transcurso da festividade. Carnes e saladas de todos os tipos e para todos os gostos, saladas, muito chopp, cerveja, águas e refrigerantes, enfim comida e bebida à vontade, pra ninguém botar defeito, nem sair reclamando pelo menor motivo que fosse.
E foi assim, num misto de elegria e ansiedade, finalmente chegou a tão esperada semana do churras do Ariovaldo. Tudo combinado de véspera com o Betão, proprietário da Casa de Carnes Roberto, há mais de cinco anos tradicional fornecedor da matéria prima essencial de todos os churras promovidos pelo Ariovaldo. Divido o sucesso dos meus churras aos cortes precisos, que só o Betão é capaz de fazer, jactanciava-se o sorridente Ariovaldo, querendo parecer humilde.
Chega o grande dia e depois de uma noite passada praticamente em claro, repassando pela milionésima vez cada minúcia, logo cedinho Ariovaldo se dirige ao estabelecimento comercial do Betão, a fim de ele próprio fazer a retirada e o transporte da preciosa mercadoria. Sai em silêncio, para não acordar a Elisinha, afinal hoje será um dia muito cansativo para ela.
Qual não é o espanto do Ariovaldo ao dar de cara com as portas do açougue ainda cerradas, num claro sinal de que algo não batia com os planos tão exaustivamente traçados. Olhou o relógio, conferiu o horário, viu que estava dentro do combinado. Primeiro Ariovaldo chamou. Depois bateu, bateu e bateu com força na porta de aço e nada. Quase meia hora se passa e nem um rumor, por menor que fosse saia do interior do estabelecimento.
Diante do esforço infrutífero, acometido do mais absoluto desespero, Ariovaldo retorna à sua casa, para juntamente com Elisinha traçar um eventual plano B. Entrou correndo, chamando pela mulher. Foi até o quarto, depois no banheiro, olhou na lavanderai, no quintal e, por último, no coberto recém construído. Nada da Elisinha, em lugar algum da casa.
Já à beira de um colapso, Ariovaldo repara num papel escrito à mão, colado com durex no batente da porta da cozinha. Ariovaldo se aproxima e lê, escrito com a melhor caligrafia da Elisinha:
Ari, eu e o Betão resolvemos ser felizes juntos. Embora seja do ramo, ele não me vê como um simples pedaço de carne. Adeus. Eli...

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