sábado, 11 de maio de 2013

A sobremesa


Essa é uma história do tempo em que a mulher não se sentia diminuída ou depreciada pelo fato de preparar uma refeição para o marido, numa demonstração de carinho e afeto. Por isso, não tem relação nenhuma com pessoas ou fatos reais da atualidade, onde servir um cafezinho é interpretado como atitude machista e dominadora, que segundo reza a cartilha feminista, nenhuma mulher moderna deve se submeter, sob pena de estar regredindo um século e meio na trajetória da emancipação feminina.
Começa com um pedido, dito na mais terna e suave entonação, uma simples sugestão, pronunciada sem a menor conotação de crítica ou animosidade por um marido à sua esposa: "Pô, Gracinha, bem que qualquer dia desses você podia fazer uma sobremesa legal pra gente, né?" Não era a primeira vez que Juvenal, o marido, dava esse toque pra mulher, que ouvia o pedido com seu costumeiro ar de enfado e distração. O que acontecia, na verdade, é que a Gracinha nunca teve a menor afinidade com os chamados dotes culinários, limitando seu repertório gastronômico ao simples do básico do trivial e olhe lá. Não passava um dia sem que cometesse algum deslize, fosse salgando demais o arroz, deixando o feijão queimar no fundo da panela ou errando feio no ponto do empadão ou de um singelo picadinho. O fato é que Gracinha e o fogão revelavam total incompatibilidade entre si e com isso quem pagava o pato era o pobre Juvenal, que acostumado desde criança aos quitutes da mãe, tinha que encarar cada gororoba que vou te contar... Embora tímida e delicadamente, vivia sugerindo à mulher que procurasse alguma forma de superar aquela aversão nutrida de maneira ostensiva para com a cozinha.
Por isso, no dia seguinte, logo ao chegar no trabalho, a primeira coisa que Gracinha fez foi procurar pela Edilene, confidente, amiga de fé e irmã camarada e ir logo expondo o problema: "Edi, já tô de saco cheio do Juvenal me pedir pra fazer uma sobremesa pra ele. Você me conhece e sabe que eu não tenho o menor talento pra essas coisas. Amiga, sei que você domina a arte, preciso de um help, qualquer receita serve!" Edilene pensou um pouco e já saiu com a solução pronta, na ponta da língua: "Vamos fazer melhor, Gra. O Juvenal não chega em casa às oito? Pois bem, a gente sai às seis, vamos pra sua casa, eu preparo uma receita que eu sei todo homem adora e você só tem que dizer que foi você quem fez..."
Se assim foi combinado, melhor ainda foi feito. Só que justamente naquele dia o Juvenal adiantou os relatórios, saiu mais cedo do escritório e chegou em casa bem antes do horário de costume. Chegou justo na hora que a Edilene dava os últimos retoques na decoração de um monumental brigadeirão, que de cara deixou o Juvenal com água na boca. Pra resumir, além da sobremesa a Edilene acabou preparando todo o jantar e fazendo companhia ao casal na refeição, servida como manda o figurino, com entrada, prato principal e naturalmente a sobremesa. Tudo acompanhado pelos elogios, comentários e sorrisos do Juvenal, muita conversa e a agora indisfarçável expressão de ciúme da Gracinha, percebendo algo estranho no ar.
Pouco mais, pouco menos de seis meses após esse insuspeito encontro, Gracinha chega em casa do trabalho, ar cansado e abatido, deixa-se cair no sofá, enquanto se desmancha em lágrimas e lança aos ares um rosário de imprecações. "Canalha! Bandida! Traidora! Cachorra! Usar um jantar pra seduzir o meu marido... Piranha! Ordinária! E a cadela ainda se dizia minha amiga..."
Longe dali, num confortável apartamento da zona sul, Edilene recebia Juvenal com abraços, muitos beijinhos e uma surpresa: "Amor, fiz a sua sobremesa favorita. Hoje teremos... tcharan,... brigadeirãooo!" Nem que tentasse por horas seguidas eu conseguiria aqui traduzir em palavras o brilho de felicidade no olhar do Juvenal...

Nenhum comentário:

Postar um comentário