quarta-feira, 22 de maio de 2013

Mancha na reputação


Quem reside fora da cidade de São Paulo talvez não conheça nem de ouvir falar. Trata-se de uma categoria profissional popularmente identificada pelo curioso epíteto de "marronzinho" e vinculada à Companhia de Engenharia de Tráfego. Sem nenhum julgamento ou crítica ao desempenho profissional da classe, cabe aos marronzinhos a tarefa de orientar, disciplinar e fiscalizar o caótico e enlouquecedor trânsito da metrópole. Há quem acuse os marronzinhos de hidrófobos, pois basta cair uma leve chuva sobre a cidade para eles desaparecerem como por encanto, deixando motoristas e pedestres órfãos de pai e mãe e entregues ao próprio azar. Pura maldade!
Agora, se entre os marronzinhos existe um que cumpre seu dever de maneira que eu diria quase espartana, pra não dizer religiosa, esse cara é o Gilberto. Pode até existir igual, mas eu até apostaria que ninguém na CET cumpre sua obrigação com tamanho desvelo e dedicação quanto o marronzinho Gilberto. Ele gosta tanto do que faz que chega ao extremo de se oferecer para cobrir a falta ou licença de algum colega de serviço que necessite ausentar-se do trabalho.
Tamanho zelo e dedicação profissional só não são maiores na vida do Gilberto quanto a alegria que ele sente em passar o reveillon na praia, levando flores para Iemanjá e cumprindo o ritual de pular as sete ondas, fazendo um pedido em cada pulo, ao mesmo tempo que saúda a virada do ano estourando uma champanhe.
No último dia do ano passado não foi diferente. De folga no serviço, lá foi o Gilberto rumo à Praia Grande cumprir alegremente o seu ritual. Hospedado num apartamento cedido por uma colega de trabalho, nosso amigo aproveitou o dia de praia como manda o figurino: tempo ajudando, deu pra pegar uma cor sob o sol, saborear várias brejas, matar uma caipirinha e na hora que bateu a fome, derrotar uma alentada porção de camarões fritos na hora ali no quiosque. Pra incrementar, Gilberto combinou o petisco com molho rosé e arrematou com água de côco bem gelada.
Assim, depois de um dia perfeito, caiu a tarde, em seguida a noite e Gilberto, após um banho reconfortante, além de devida e impecavelmente trajado de branco, juntou-se à massa humana que caminhava em direção à praia, a fim de saudar o novo ano prestes a começar. Música, fogos, brindes, muita alegria, contagem regressiva e... Feliz Ano Novo!
Gilberto, depois de abraçar e cumprimentar alegremente todas as pessoas ao seu redor, como de hábito dirigiu-se ao mar, para a entrega de flores e o ritual das sete ondas. Iemanjá aceitou a oferenda de bom grado e Gilberto esperou a chegada das marolas. Uma... Duas... Três... Na quarta, uma sensação estranha... Na quinta, uma dor abdominal muito forte, quase insuportável, semelhante a um espasmo... Na sexta, não deu pra aguentar e antes de pular a sétima onda, os camarões ao molho rosé, consumidos na praia, numa tarde de sol quente viraram os intestinos do Gilberto do avesso e não houve jeito de segurar o poderoso jato entérico, ali mesmo, sob as vistas da multidão. Não é muito difícil imaginar o que isso significou para a reputação de alguém até então vestido inteiramente de branco.
Ignora-se como essa história acabou chegando aos ouvidos e bocas da galera aqui da Vila, que costuma ficar reunida no boteco, bebericando umas brejas e falando da vida dos outros. O fato é que de vez em quando, alguém chega e pergunta: "Não vi mais o Gilberto. Alguém tem visto ele por aí ultimamente?" "Gilberto? Mas que Gilberto?" "O marronzinho, pô!" Geralmente seguem-se muitas risadas, qualquer que seja a conotação que venha a ser dada à resposta...

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