sexta-feira, 31 de maio de 2013

Sorte de apostador

Há um bom tempo o seu Manoel andava preocupado sobre o que iria fazer da vida depois que se aposentasse. Funcionário exemplar, na empresa desde o início das atividades, seu Manoel era o tipo boa gente, querido por todos, bem tiozão, papo alegre, que só tinha um ponto fraco: era viciado em corrida de cavalo.
De segunda a sexta-feira almoçava em menos de vinte minutos, só pra poder dedicar o resto de tempinho livre a analisar a página de turfe do jornal, visando identificar os favoritos e as barbadas. Quando chegava o fim de semana, caprichava no visual e lá ia ele, todo garboso e perfumado para a Cidade Jardim. Essa era a sua rotina aos sábados e domingos e, quando chegava ao trabalho na segunda-feira, era visível sua satisfação ao contar para todos da seção que havia acertado alguma dupla ou placê. 
Mas ultimamente o seu Manoel andava meio caladão, macambúzio, assombrado pelo fantasma da aposentadoria. Sabia que por melhor que fosse o benefício, não seria suficiente para manter o seu padrão financeiro. Seria obrigado a conter as despesas e deixar de fazer aquilo que mais gostava, que era apostar nos cavalinhos, como costumava carinhosamente dizer.
Mas enfim, o dia temido chegou. E lá foi o seu Manoel, acompanhado de um funcionario do Departamento Pessoal da empresa, fazer a homologação na sede do sindicato. Quem viu o seu Manoel saindo da empresa, conta que ele parecia estar sendo conduzido ao cadafalso, tamanha era a sua tristeza e abatimento.
Passados uns seis meses, eis que recebemos a visita do seu Manoel. Contou-nos que estava bem, levando a vida conforme podia e que agora estava se recuperando de um grande susto por que passara, assim que havia deixado a firma e sacado o seu Fundo de Garantia. Todos pensaram que ele tinha sido vítima de algum golpe ou problema de saúde, mas não fora isso que acontecera.
Aí nos disse o seu Manoel que dias depois de receber seus direitos trabalhistas, teve a ideia de vender laticínios no varejo. Comprou uma Kombi branca usada e ao menos uma vez por semana ia até a região do sul de Minas, ande lotava a perua de queijos e trazia para vender em São Paulo, tudo sem nota fiscal, é claro. Para a mercadoria não deteriorar, não perder tempo, nem gastar dinheiro com pedágios, mandou pintar uma cruz vermelha na porta da Kombi e, usando um avental e uma touca brancos, passava direto pelos vários postos de fiscalização, como se fosse uma ambulância transportando algum paciente para o hospital.
Tudo ia dando certo para o seu Manoel, até que um dia, logo depois de passar por um comando da Polícia Rodoviária, percebeu que atrás dele havia saído uma viatura, com sirene ligada e que, após alguns minutos de perseguição, fazia sinal para que ele parasse. Seu Manoel, nervoso, encostou a Kombi e querendo parecer honesto, foi logo dizendo para o policial:
- O senhor está certo, cumprindo a sua função e eu reconheço que estou em situação irregular. Portanto, o senhor pode fazer o que tem de ser feito, eu assumo todas as consequências. Quando se está errado, o melhor negócio é reconhecer logo...
O policial pega os documentos do seu Manoel, examina, dá uma volta ao redor da Kombi. Volta, olha fixamente para o seu Manoel e diz:
- Muito bem, meu amigo, hoje eu só vou te multar. Mas da próxima vez que você passar por aqui com essa ambulância sem sirene eu vou te multar e apreender o veículo, tá entendido?
Seu Manoel disse que deve ter respondido "sim" para dentro. Liberado pelo patrulheiro, voltou rapidinho para São Paulo. Ainda a tempo de pegar a programação turfística daquele sábado à tarde...

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