segunda-feira, 22 de abril de 2013

A passeata

Não sei a opinião de vocês, mas acho que escolher justo uma passeata de professores para paquerar é uma coisa, no mínimo, sui-generis. Até mesmo porque ali a maior reivindicação costuma ser de natureza salarial e tentar achar um bom partido, economicamente estável e financeiramente tranquilo não é das tarefas mais fáceis.
Mas fosse alguém fazer essas ponderações para a Dolores e ela já fechava a cara, achando que estavam de zoação com ela. Bem avançada nos quarenta, Dolores era o tipo de professora convicta não em termos de carreira, mas de que se ela tivesse que um dia se casar, teria necessariamente que ser com alguém da mesma profissão. Achava que tendo interesses em comum, um casal de professores teria tudo para conseguir afinidades em qualquer situação que a vida se lhes oferecesse.
Pois foi com um misto de euforia e ansiedade que Dolores recebeu o comunicado do seu sindicato, informando dia, local e horário que sua categoria se reuniria para marchar em passeata, dando início à campanha salarial do ano passado. Para Dolores, passeata era negócio sério: na véspera passou três horas no salão de beleza, retocando as raízes e pegando no pé da manicure para caprichar nas duas mãos.
No dia seguinte, se não foi a primeira a chegar, certamente Dolores estava entre elas. Cartaz de cartolina nas mãos, escrito com pincel atômico "Quero JÁ o que é meu!", Dolores acompanhava atenta a chegada da categoria para início da caminhada. Foi então que ela viu. Melhor dizendo, ela o viu: alto, cabelos começando a pratear, um pouco acima do peso - uma insignificância, segundo ela! - barba bem aparada, que lhe dava um certo ar "revolucionário".
Dolores não teve dúvida. Postou-se ao seu lado e entre o apitaço e gritos de "Professor unido, jamais será vencido!", terminou a passeata, se não íntima, pelo menos conversando e rindo muito com Vicente (esse o nome dele) e em menos de um mês já dividiam o mesmo espaço do pequeno apartamento da CDHU, adquirido por ela em um não sei quanto de prestações.
Foi uma época de imensa felicidade para Dolores. Saiam juntos ainda bem cedo, pois seus horários matutinos coincidiam, andando juntinhos como dois namorados adolescentes até o ponto de ônibus. Durante o dia, cada um ia para seu lado até o feliz reencontro à noite em seu ninho de amor.
Foi assim que Dolores e Vicente viveram praticamente um ano inteirinho. Coincidentemente, até a chegada do comunicado do sindicato, convocando os dois para nova campanha e novas passeatas. Aquilo que era uma fixação sentimental para Dolores, transformou-se num pesadelo. "E se ele conhecer outra pessoa, como é que eu fico?"
Dúvidas e incertezas aumentando, Dolores passou a ver-se como a última das mulheres, a um passo de ser abandonada por Vicente, atraído por uma sirigaita qualquer durante a passeata. Como as convicções políticas dele eram, digamos, mais firmes e objetivas que as dela, o ultimato foi lançado: "Vicente, se você for a essa passeata, não precisa mais voltar para casa!" Queria ver se ele teria coragem.
Acontece que ele teve, muito mais do que ela. Saiu de casa logo cedo, sem dizer nada. Dolores sentiu que sua intuição poderia estar certa e, movida pelo ciúme, decidiu ir escondida à passeata, só pra ver se suas suspeitas seriam confirmadas.
Dizem que a desconfiança vira combustível líquido na hora de se tentar apagar o fogo da suspeita. No meio daquele mar de cabeças, faixas, bandeiras e cartazes, Dolores viu. Viu e se recusou a acreditar. Aos risos, gritos e expressões da mais pura felicidade, Vicente caminhava, abraçadinho e trocando beijos nada discretos com... outro professor!
Até hoje ninguém sabe ao certo como ficou a vida de Dolores. Quem a viu pela última vez disse que ela estava colocando na caçamba de lixo do condomínio um cartaz de cartolina, bem desbotado, mas que onde ainda se lia, escrito com pincel atômico "Quero JÁ o que é meu!"...




5 comentários:

  1. Hahahaha sacanagem! Ser trocada por outra mulher é dose, mas por homem ... caramba!!!!
    Ótimo texto!

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  2. Gente...que surpresa boa seu blog Amigão! Já tem uma fã, vou ler todas depois!!!Saudações das montanhas de Minas!

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  3. Texto muito bom mesmo! Faltou a Dolores oferecer um bom ovo frito para seu querido Vicente =0)

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  4. Esses professores da Metodista nunca me enganaram!

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