sexta-feira, 24 de maio de 2013

O cambono e o corno


 - Por favor Sr. Murilo, sente-se aqui e me conte o que exatamente aconteceu... Foi assim, sentado diante do delegado de plantão que Murilo começou seu relato do episódio envolvendo ele próprio,  Anabela, sua esposa e Joaquinzão, cambono do Centro Espírita Caboclo Sete Folhas.
Há algum tempo que Murilo e Anabela vinha frequentando aquele estabelecimento espírita. Fascinado pela energia, vigor e vibração do ritual do candomblé, o casal não perdia uma única sessão do terreiro, dedicando à entidade que emprestava seu nome à casa a mais irrestrita confiança, fé e devoção. Pelo menos era isso que demonstravam, participando ativamente de todas as suas atividades, não importando o dia nem a hora que elas tivessem que acontecer. O entusiasmo do casal era visível por todos os frequentadores, sendo sempre os primeiros a chegar e os últimos a sair, além de exibirem as guias e colares mais bonitos, usarem as vestimentas rituais mais impecáveis e tornarem-se em pouco tempo os melhores contribuintes para a saúde financeira do centro.
Murilo sempre fora um homem bem apessoado, elegante, dono de  personalidade alegre e descontraída, que frequentemente faziam dele o mais simpático e visto como gente boa em qualquer reunião. Padrão econômico elevado e estabilizado, graças ao faro apurado para os negócios, bens materiais abundantes, a começar pelo moderníssimo sedan importado, que estacionava pomposamente defronte ao centro, Murilo chegara ao terreiro por sugestão de um amigo, mais por curiosidade do que por necessidade.
Todavia, a nota alta do casal era dada por Anabela, uma belíssima mulher de porte altivo, bonita e perfeita sob todos os aspectos, além de possuidora de dotes físicos verdadeiramente deslumbrantes. Não havia quem não sentisse admiração - e por que não dizer? - uma ponta de inveja de tantas evidências de sucesso e realização.
Dona Juvenília, a mentora espiritual da casa deixava bem clara sua simpatia pelo casal, tanto que na primeira oportunidade que teve, definiu que já era hora de Anabela deitar a camarinha, ou seja, ser iniciada no candomblé no rito mais conhecido como "fazer a cabeça", devidamente preparada para que o Inkice/Orixá passasse a habitar no Ori/mutuê (cabeça) da nova adepta.
Poupo os leitores dos detalhes, mas afianço que todos os procedimentos de iniciação foram realizados, culminando com a série de festejos e rituais dedicados à cada entidade e linhas de desenvolvimento mediúnico, ritualistico e doutrinário. O desfecho ocorreria em plena mata fechada, uma vez que a entidade revelada a Anabela como seu guia de cabeça pertencia à corrente de Oxossi, santo guerreiro e protetor da floresta.
No dia previsto, Murilo resolveu fazer uma surpresa à mulher e sem que ela soubesse lotou um helicóptero de pétalas de flores, que seriam jogadas do alto, no local da cerimônia. Tudo correu conforme planejado por Murilo, que recomendou ao piloto que chegasse num vôo baixo, a fim de que a surpresa fosse completa. Identificado o ponto, a máquina faria uma curva suave e aberta, fazendo sua aproximação final para o arremesso das flores.
Qual não foi a surpresa de Murilo ao sobrevoar a pequena clareira e se deparar com a sua mulher, completamente nua, nos braços de Joaquinzão, um mulato forte e despachado, que cumpria o papel de cambono, atendendo os pedidos e assessorando na comunicação as entidades que baixavam no terreiro. Dedicavam-se a uma prática não muito espiritual, antes pelo contrário, desfrutando da tranquilidade de estarem só os dois num lugar ermo e de difícil acesso. Alí tratava-se apenas de um homem e uma mulher, entregues aos prazeres do sexo, que separaram-se rapidamente ao pressentir o perigo que chegava rapidamente via aérea.
Diante desse quadro, Murilo não pestanejou. Pediu ao piloto nova aproximação e antes mesmo que a nave pousasse, pulou sobre o Joaquinzão, num espetacular salto de mais ou menos cinco metros de altura, atingindo-o na cabeça e nocauteando o desafeto com um certeiro golpe, digno de um astro de MMA.
Novamente poupo você, leitor, de pormenores relativos ao encaminhamento do Joaquinzão ao hospital, onde até hoje tenta se recuperar. Também omito propositadamente os trâmites referentes ao divórcio de Murilo e Anabela, que teria ocorrido bem antes se o Murilo tivesse desconfiado um mínimo que fosse da excessiva atenção dispensada por Joaquinzão à Anabela, semanas depois do casal ter começado a frequentar a casa do Caboclo Sete Folhas...

2 comentários:

  1. Bem interessante. Uma versão do cotidiano que se desprende do todo e fixa os personagens. Muito bom

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